quinta-feira, 4 de abril de 2013

Henrique Alves desaprova decisão de Feliciano: ‘Como impedir acesso do povo ao Parlamento?


Henrique Eduardo Alves: ‘Aprendi que o radicalismo nunca foi um bom conselheiro do Parlamento’
De molho no seu Estado, o Rio Grande do Norte, onde se recupera de uma cirurgia, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB), acompanhou os desdobramentos da crise na Comissão de Direitos Humanos. Ele desaprovou a decisão do deputado-pastor Marco Feliciano (PSC-SP) de restringir o acesso às reuniões da comissão, fechando-as para o público.
“Isso foge à tradição do Parlamento. É absurdo”, disse Henrique Alves ao blog, numa entrevista telefônica na noite passada. “Como é que vamos impedir o acesso do povo ao Parlamento? Como impedir as pessoas de acompanhar os debates nas comissões? Se há um lugar em que o povo tem que ter todo o acesso é o Parlamento. Se o povo não puder entrar na sua Casa, vai entrar onde?”
Henrique disse que o regimento da Câmara autoriza a realização de reuniões fechadas apenas em situações excepcionais, não como regra. “O tumulto só desqualifica quem o promove. Mas a reação radical da presidência da comissão cria mais problema, não solução.” O que fazer?, perguntou o repórter. E o presidente da Câmara: “Vou ter o final de semana para pensar no que fazer.”
Henrique torceu o nariz também para a aprovação da viagem de Feliciano à Bolívia. “Parece haver uma tentativa de criar um fato consumado. Mas é preciso levar em conta que esse tipo de viagem, feita em nome da Câmara, precisa ser aprovada pela presidência da Casa.”
Confirmou para a próxima terça-feira (9) a reunião de Feliciano com o colégio de líderes partidários. Foi informado de que o protagonista não faltará ao encontro. “Sua ausência seria uma desatenção e até um desrespeito aos líderes de todos os partidos da Casa.” Qual é o objetivo da conversa? “Encontrar uma saída para que a comissão tenha funcionalidade.”
Há duas semanas, Henrique dissera que a situação de Feliciano na comissão tornara-se “insustentável”. Tomado pelas palavras, acha que a coisa não evoluiu: “Quando a gente pensa que caminha para uma situação melhor, o deputado vai a um culto e diz que, antes dele, a comissão era dominada por satanás.”  Vai abaixo a transcrição da entrevista:
— O que achou da decisão da Comissão de Direitos Humanos de restringir o acesso das pessoas às reuniões? Ao longo da minha vida pública, aprendi que o radicalismo nunca foi um bom conselheiro do Parlamento. O radicalismo não serve nem para a pessoa que exerce o poder nem para as pessoas que o desafiam. A essência do Parlamento, sua maior inspiração, é o incansável diálogo. Só o diálogo conduz à boa solução política.
— Acha que a proposta do deputado Feliciano, aprovada pela comissão, foi uma saída radical? Foi uma inabilidade dele. Não é uma norma da Casa impedir a participação de segmentos organizados que queiram acompanhar a discussão dos temas do seu interesse. Obviamente, esse acompanhamento tem que ser feito de forma ordeira e respeitosa. O fechamento das sessões parte do pressuposto de que a participação nunca será respeitosa. Não me parece razoável supor de antemão que sempre haverá agressão. É algo que só pode ser verificado em cada sessão. Essa antecipação me parece uma precipitação que não contribui para o diálogo.
— O deputado Feliciano alegou que, sem as restrições, o colegiado não conseguiria trabalhar. Na semana passada, um manifestante chegou a subir na bancada da comissão. Como realizar sessões nesse ambiente? Insisto em que a participação das pessoas deve se dar de forma respeitosa. Esse caso do sujeito que subiu na bancada foi absurdo, inaceitável. Dei orientações claras à segurança da Casa. Em situações assim, a pessoa deve ser posta para fora do prédio da Câmara. Mas há outras formas de resolver o problema sem o fechamento de todas as sessões.
— Como? Na semana passada, quando se previa a ocorrência de tumulto, eu mesmo sugeri: você começa a reunião. Se não conseguir restabelecer a ordem, prepara a sala de outra comissão ao lado e suspende a sessão. Os deputados trocam de ambiente, saindo pelo corredor interno. E a reunião é reaberta em sessão fechada. Foi o que aconteceu. O deputado Feliciano seguiu o nosso conselho. Houve nova baderna nesta semana? Faz tudo de novo!
— Nessa fórmula, a reunião continua sendo fechada. Não dá na mesma? Não. O regimento da Casa prevê que, em situações excepcionais, o presidente de uma comissão pode tornar a reunião fechada. Mas isso é a exceção. Não pode ser a regra. As pessoas erram quando fazem baderna na comissão. Mas não se pode, por conta disso, decidir simplesmente que todas as sessões serão fechadas. Isso foge à tradição do Parlamento. É absurdo. Como é que vamos impedir o acesso do povo ao Parlamento? Como impedir as pessoas de acompanhar os debates nas comissões? Se há um lugar em que o povo tem que ter todo o acesso é o Parlamento. Se o povo não puder entrar na sua casa, vai entrar onde? O tumulto só desqualifica quem o promove. Mas a reação radical da presidência da comissão cria mais problema, não solução.
— O que fazer? Vou ter o final de semana para pensar no que fazer. Há um quadro formado. De um lado, pessoas que, a pretexto de participar, brigam, xingam e sobem nas mesas para inviabilizar os trabalhos. Do outro lado, há excessos na reação do comando da comissão. É uma situação muito sensível.
— Há algo que a presidência ou a Mesa diretora da Câmara possa fazer? É preciso lembrar que, em relação a essa decisão tomada agora, qualquer deputado pode questionar o fechamento das reuniões. Qualquer um tem o direito de questionar, porque foge à normalidade da Casa. Fechar é a excepcionalidade. Abrir é a regra. Havendo o questionamento, obviamente a Mesa terá de se pronunciar. À primeira vista, o fechamento não me parece uma solução adequada.
— Aprovou-se também na Comissão de Direitos Humanos a viagem do deputado Feliciano e comitiva para a Bolívia. O que achou? Parece haver uma tentativa de criar um fato consumado. Mas é preciso levar em conta que esse tipo de viagem, feita em nome da Câmara, precisa ser aprovada pela presidência da Casa. A comissão envia o requerimento ao presidente da Câmara, que aprova ou não a viagem.
— E o presidente cogita não aprovar? Em condições normais, o presidente de uma comissão tem amparo regimental para propor essa ou aquela providência, para realizar isso ou aquilo. Mas as circunstâncias, é preciso admitir, não são normais. Então, convém analisar tudo muito bem antes de tomar uma decisão. No caso específico, convém verificar os fundamentos da viagem à Bolívia.
— O objetivo é verificar a situação dos torcedores do Corinthians presos na cidade de Oruro, não? Soube que houve um questionamento sobre a necessidade de ir ou não à Bolívia. E o deputado Feliciano teria dito que conversou com as mães dos torcedores, que elas choraram e que o governo brasileiro não teria adotado as providências necessárias. Com todo o respeito ao sofrimento das mães, é preciso verificar se o governo de fato não fez nada.
— Na semana passada, Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, esteve em Oruro e La Paz. Visitou os prisioneiros, foi à Promotoria, teve audiência com um ministro boliviano e visitou a embaixada brasileira. O senador não poderia compartilhar com a Câmara as informações que recolheu? É evidente que sim. Eu mesmo devo falar com o Ferraço. Ele pode nos dar informações valiosas. Vamos analisar a motivação da viagem, se há mesmo procedência. Quero saber em que estágio estão os contatos entre os governos do Brasil e da Bolívia. É preciso conversar com o Itamaraty. Com todas as informações em mãos, teremos condições de tomar a decisão mais responsável. Do contrário, fica parecendo ôba-ôba.
— Já foi marcada nova data para a reunião do deputado Feliciano com o colégio de líderes? Está marcada. Será na terça-feira [9], às 11h.
— O deputado Feliciano disse que essa reunião tem o objetivo de achincalhá-lo. Acha que ele vai comparecer? Ele irá. Pedi para falarem com o líder do PSC, André Moura. Acho importante ele ir. Sua ausência seria uma desatenção e até um desrespeito aos lideres de todos os partidos da Casa. Não faz sentido dizer que ele será achincalhado. Não é esse o objetivo de ninguém. E vão estar lá líderes que são favoráveis a ele: o Eduardo Cunha [do PMDB], o Anthony Garotinho [do PR]…
— Qual é, afinal, o objetivo dessa reunião? Queremos encontrar uma saída para que a comissão tenha funcionalidade. Nada além disso. Todos querem que a comissão possa se reunir normalmente, que tenha um plenário respeitado, uma pauta digna, discussões elevadas e um resultado natural. Tudo isso depende muito do comportamento do deputado Feliciano. Espero que ele compareça à reunião como presidente da Comissão de Direitos Humanos, não como pastor. A democracia tem que ser exercida de forma respeitosa. Não se chega a lugar nenhum na base do grito. Tem que ser de forma equilibrada. E o deputado Feliciano poderia contribuir para o estabelecimento desse equilíbrio. Todos querem que ele presida. Mas a situação piorou. Soube que na reunião desta quarta-feira havia duas torcidas, uma contra e outra a favor. Em vez de esfriar, a situação fica cada dia mais difícil.
— Há duas semanas, o sr. disse que a presidência do deputado Feliciano na Comissão de Direitos Humanos tornara-se insustentável. Mantém a opinião? Estávamos conversando com o líder do PSC [deputado André Moura] e com o presidente do partido [pastor Everaldo], que mudou de posição. Manteve a solidariedade ao deputado, na perspectiva de que haveria um mergulho, que tudo iria serenar. Quando a gente pensa que caminha para uma situação melhor, o deputado vai a um culto e diz que, antes dele, a comissão era dominada porsatanás.
— Ele disse que falou como pastor, em ambiente religioso. Pois é, ele diz que falou como pastor. O problema é que não é possível se despir da condição de presidente da Comissão de Direitos Humanos só porque entrou na igreja. O que ele falou ali não foi a palavra de um pastor num culto religioso. Foi a manifestação de um presidente da Comissão de Direitos Dumanos da Câmara dos Deputados. O exercício de uma função pública traz alguns bônus. Mas também traz ônus. Na presidência da Câmara, eu não posso falar como se ainda fosse líder do PMDB. Como presidente da Comissão de Direitos Humanos, o deptado Feliciano não pode chamar todo mundo que o antecedeu de satanás. Ao não distinguir joio de trigo, o deputado dificulta as coisas.
— Qual é o papel do presidente da Câmara nessa crise? Minha obrigação como presidente é fazer a Casa funcionar, fazer com que as comissões tenham funcionalidade, que se reúnam democraticamente, em ambiente respeitoso, capaz de acolher contrários e favoráveis às teses em debate. Lamentavelmente, isso é o que menos ocorre lá na Comissão de Direitos Humanos. Há exageros de todos os lados. Mas o que se espera do presidente da comissão é ponderação.
— Mudando de assunto: na sua campanha à presidência da Câmara, o sr. assumiu o compromisso de aprovar o ‘Orçamento impositivo’ para as emendas de parlamentares. A Comissão de Constituição e Justiça aprovou nesta quarta-feira uma emenda que prevê a execução obrigatória de todo o Orçamento da União, não apenas das emendas. Acha possível que isso vire realidade? Não há hipótese de aprovarmos nada que inviabilize a execução orçamentária. O Orçamento da União é elaborado em bases realistas. Mas traz sempre uma previsão de arrecadação tributária que pode acontecer ou não. Às vezes a previsão é superada, outras vezes não. Numa situação como essa, em que lidamos com o imponderável, não podemos amarrar o Orçamento.
— Por que foi aprovada essa emenda? Veja bem, a negociação que fiz com os líderes envolve as emendas parlamentares. Mas era preciso colocar o tema do orçamento impositivo para andar. Precisávamos de um gancho. Foram reunidas todas as propostas que tramitavam na Casa. E a CCJ aprovou apenas a ‘admissibilidade’. Agora, uma comissão especial vai tratar do mérito. Será elaborada uma nova PEC [proposta de emenda constitucional], fruto desse entendimento.
— Qual será o teor dessa PEC? A proposta será formatada numa ampla negociação. Vai tratar das emendas individuais dos parlamentares, em valores a serem definidos. Tudo negociado com o Executivo. Essas emendas podem inclusive ser direcionadas para programas do próprio governo, nas áreas de saúde, educação e segurança pública. Todos ganham e o parlamentar sai dessa posição humilhante de mendigar a liberação de R$ 100 mil, R$ 200 mil, R$ 300 mil para seus municípios.
— Vários escândalos nasceram de emendas de parlamentares. Não é temerário tornar obrigatória a execução dessas emendas? Estamos falando de emendas pequenas, com valores de R$ 100 mil a R$ 300 mil. Não há escândalo nesse tipo de emenda. A PEC vai estabelecer limites e formas de controle. Essas emendas individuais permitem que os parlamentares atendam demandas de pequenos municípios. Demandas que não costumam chegar nas mesas dos ministros. Um pequeno posto de saúde, uma passagem molhada. O que não pode continuar como está: libera o de um, segura o de outro. Solta a emenda do aliado, não empenha a da oposição. Isso não é de agora. Vem de outros governos, o do Fernando Henrique, o do Lula… Tem que acabar.
Por Josias de Souza 

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