Conheça
mais sobre o Bloco do Magão com informações de David Fernandes Barros (Curso de História da UFRN)
Em
1990, um grupo de amigos decidiu se reunir e criar um bloco, tendo como
dirigente e principal idealizador Ronaldo Batista de Sales, o popularmente
conhecido “Magão”. O bloco “Ala Ursa do Poço de Sant’Ana” surge então com a
finalidade de chamar a atenção da sociedade para o Poço de Sant’Ana lugar
místico de várias histórias e lendas da cidade, que sofria com o esquecimento e
com a poluição e o resgate do carnaval de rua caicoense que estava morrendo,
além de tentar encontrar “uma forma de sustentabilidade para manter a
família” segundo “Magão”.
Em
seu início, o bloco era formado por pessoas totalmente discriminadas pela
sociedade, por terem problemas com o álcool e drogas. Como um carpinteiro
(Magão) e um bando de drogados queriam resgatar o carnaval de rua de Caicó e o
Poço Místico da cidade? O “Ala Ursa do Poço de Sant’Ana” vai se inspirar nos
seus antecessores, mantendo todos os
elementos e também inovando. Embora não tenham recebido ajuda dos blocos
existentes, como o “Ala Ursa da Paraíba” que não compartilharam de seus
conhecimentos carnavalescos.
O “Magão” e seus amigos, mesmo sem o conhecimento
necessário começaram a confeccionar as próprias fantasias, e inovaram com os
bonecos gigantes de papel machê, inéditos no carnaval caicoense. Segundo o
Magão, “embora houvesse poucas pessoas nos arrastões, os bonecos davam uma
outra dimensão ao bloco, dando a impressão de que haviam mais pessoas”.
O
bloco se organizava, de acordo, com a disponibilidade dos participantes, que se
trajavam de “burrinhas de padre” e papangus. Também tinha o urso e os grandes
bonecos que chamavam a atenção do público por onde passavam. No começo não
havia horário certo para o desfile do bloco, que poderia ser de manha, tarde,
noite e até de madrugada durante os dias de carnaval. Muitas vezes o bloco foi
tirado das ruas e oprimido pela polícia local, sendo impedido de realizar os
arrastões.
Mesmo
enfrentando o preconceito e o desdenho da sociedade, o bloco continuou nas ruas
conseguindo aglomerar mais pessoas a cada ano e ganhando notoriedade na cidade.
Em 1993 despertaram o interesse dos comerciantes da cidade, que resolveram
apoiar o bloco em troca de estamparem propagandas de suas lojas nos bonecos
gigantes. Com o pequeno crescimento foi implantada uma orquestra que contava
apenas com três músicos, os quais criaram o hino do bloco. Com o despertar das
pessoas para a festividade, o bloco ano após ano foi ganhando novas dimensões e
crescendo cada vez mais.
Desde
então, o bloco não parou mais de crescer, e passou a ganhar vários setores da
sociedade, conseguindo democratizar aos poucos o carnaval caicoense e a quebrar
o preconceito existente desde o início do século XX. O “Ala Ursa” possibilitou
a descaracterização dos antigos carnavais caicoenses marcados pela imensa
estratificação social e o puro preconceito racial e social. No final dos anos
90, o bloco começou a abrir o carnaval, e se tornou o marco e o referencial das
festividades carnavalescas de Caicó, arrastando multidões por toda cidade.
O
povo caicoense e de todo o Seridó têm como características peculiares, a
alegria, a hospitalidade, segurança, ótima gastronomia, e principalmente em
relação a festividades, um caráter festivo disseminado em toda a sociedade. O
“Ala Ursa do Poço de Sant’Ana” conseguiu passar para a sociedade e os foliões
de todas as partes do Brasil que o seguem, a essência do povo caicoense e
seridoense, a alegria e a extroversão. Construindo assim uma identidade e um
carnaval próprio encontrado somente aqui.
Com a transmissão e disseminação da ideia de diversão, o bloco criou um
carnaval sem violência onde a ordem é brincar, e todos os que participam, estão
ali só pela alegria que o carnaval proporciona.
Além da disseminação da ideia simples e pura
da brincadeira e diversão. O “Bloco do Magão” tem outros pontos que o diferem
dos demais blocos e que a aliada a genialidade de seu dirigente, conquistam e
contagiam toda a massa. Ao quais tentarei enumerá-los a seguir.
O
bloco reviveu as antigas marchinhas de carnavais, que são tocadas em forma de
frevo frenético e cantadas de forma praticamente gritada. Aliando esses dois
elementos a uma forma peculiar de interpretar as antigas marchinhas, o bloco
desenvolveu dentro da construção de sua identidade, uma forma ímpar de animação
carnavalesca, onde a orquestra desenvolve um ritmo frenético que sincronizado
com a música, contagia toda a massa não deixando ninguém parado.
Outro
ponto e talvez o maior diferencial do bloco, é que desde a sua fundação, a
população sempre esteve em contato direto com todos os elementos do bloco, não
havendo limites para participação da população, possibilitando uma liberdade e
interação das pessoas, possibilitando assim um dos objetivos do carnaval de
rua. Fazendo assim com que, todos os foliões sejam o bloco e o bloco seja
todos. Fazendo desaparecer as classes sociais, as etnias e as diferenças,
promovendo a igualdade democrática durante os arrastões pelas ruas da cidade.
Objetivo pelo qual o bloco foi criado a décadas, nos anos 30.
A
divulgação do “Bloco do Magão” é outro ponto a ser elencado. Tornou-se prática
comum dos caicoenses, apresentarem e introduzirem os filhos, ou seja, as novas
gerações nos festejos carnavalescos através do “Ala Ursa”, fazendo com que a tradição
do carnaval de rua seja transmitida de geração em geração.
Dessa forma a
tradição do carnaval de rua do “Ala Ursa” é mantida pelos jovens, que por sua
vez, divulgam os festejos do bloco carnavalesco e a cidade, por todas as partes
do país, quando saem de sua cidade, na maioria dos casos para estudar, através
do “boca a boca”, incitando e atraindo amigos e conhecidos, que ao conhecer a
cidade e o festejo, também passam a propagar o carnaval caicoense. Fazendo
dessa forma, a propaganda das festividades carnavalescas e da cidade, que
ganharam proporções regionais, e hoje nacionais. Segundo o “Magão”, “os jovens
universitários, foram os grandes responsáveis ou os maiores contribuintes, para
a repercussão do ‘Bloco do Magão’, no cenário regional e nacional”.
Pontos
importantes também a serem destacados, é o imenso respeito e popularidade do
carnavalesco “Magão”, que o possibilita administrar eventuais problemas e
desafios, com apoio de toda sociedade, além de conseguir manter o objetivo
principal do bloco que é promover a alegria e a igualdade das pessoas. Entre os
desafios vencidos pelo bloco, foi padronização da hora da saída do bloco, que
foi de fundamental importância para o sucesso do bloco, que enfrentou muitos
problemas no início por falta de padrão nos horários de saída.
Passando a
população a se adaptar ao bloco ao invés de o bloco se adaptar a população.
Aliando-se a isso também se deve o eficiente trabalho conjunto das polícias
civil e militar e o corpo de bombeiros, que com o contingente de cerca de
duzentos homens, mantém a ordem e segurança do carnaval caicoense, em meio a
cerca de noventa mil foliões nas ruas, mantendo assim uma das marcas registrada
de nossa cidade. O que antes foi uma relação de preconceito e opressão, hoje é
uma relação de colaboração e união em prol da segurança e manutenção da ordem,
além da diversão dos foliões.
Com
todos esses atributos únicos, o “Ala Ursa” de Caicó construiu e adquiriu uma
identidade própria, não encontrada em nenhuma outra parte do mundo. Com todo
esse sucesso veio a responsabilidade. O que antes era uma brincadeira de amigos
se tornou exemplo e referencial para todo o país. Hoje o “O Bloco do Magão”
segundo o próprio dirigente, “não é mais de Caicó, nem do Seridó, mas de todo o
Estado”. O bloco que no princípio arrastava algumas dezenas de pessoas, hoje
arrasta uma multidão em torno de noventa mil pessoas por dia.
O “Bloco do Poço de Sant’Ana” que veio de baixo
sofreu com o preconceito e a descriminação, hoje é abraçado por toda a
sociedade e inclusive pela elite, que antes o olhavam com desprezo. Mesmo assim
ainda há um enorme descaso do Poder Público Local e Estadual, que não se
mobiliza para melhoria da infra-estrutura, que já não é a ideal para os
parâmetros atuais da festividade, e que não oferece nem mesmo o mínimo da
infra-estrutura necessária, como banheiros químicos em alguns pontos chaves da
cidade e do percurso do bloco.
Vencendo preconceitos,
discriminações, dificuldades e o descaso do Poder Público com a cultura
popular, o “O Ala Ursa do Poço de Sant’Ana”, faz há vinte anos a alegria e a
brincadeira de milhares de foliões, quebrando durante o período momesco, com as
diferenças sociais e raciais que existem em nossa sociedade, cumprindo assim
com o papel fundamental do carnaval que é a diversão.
E é com peculiaridades, como um mudo que toca e um padre que canta na
orquestra, que o “Bloco do Magão” se difere dos demais, conquistando e
contagiando o público por onde passa, arrastando multidões ao som de seu hino:
Hoje eu vou pular
Hoje eu vou brincar
Só vou parar quando
chegar
A Quarta – Feira
O Ala Ursa
Eu vou acompanhar
Eu só vou parar
Quando chegar a
Quarta – Feira
Tem bonecos para a
turma agitar
Tem as burrinhas
pra crianças se alegrar
Eu quero ver toda
massa
Agitando
Quero ver povão
pulando
Quero ver tu
balançar.
Ala Ursa Ontem,
hoje e sempre porque você merece. (Divan e Dian)
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